Serial Caker
- Juliana GUZZO

- 16 de ago. de 2022
- 3 min de leitura

Fazia tempo que Paula estava fissurada em ver vídeos de todo tipo de coisas que pareciam meros objetos, mas que eram na verdade bolos.
Que ódio!
Esbravejava ela, com raiva por ser enganada, perplexa pelo absurdo artístico, tomada de dúvida ao pensar no tempo que se levou para chegar em um nível de habilidade desses e pensativa sobre a motivação de alguém para fazer tal coisa.
Paula recebia e compartilhava vídeos com os amigos virtuais, para rir e passar raiva. Principalmente rir, já que para passar raiva não precisava recorrer a artifícios. A vida já era fodida o suficiente pra ela.
Quando a Pandemia chegou e quase todo mundo foi trancado em casa, Paula começou a trabalhar em home-office. Sem o deslocamento para ir e voltar da agência, a necessidade de se arrumar e depois se desarrumar, ganhou incríveis 4 horas no seu dia.
Era tão acostumada a não ter tempo para nada, que não sabia o que fazer da própria vida com tempo agora. Comprou livros, redecorou a casa, encheu a varanda de plantas, começou a fazer exercícios e ainda assim tinha tempo livre. Um absurdo!
Sentava no sofá depois do fim do expediente e olhava para o teto por um bom tempo. Tentava descansar a cabeça, mas isso era difícil para Paula, que sempre quis dar utilidade para todos os minutos de sua vida.
Lembrou dos bolos realistas e resolveu se arriscar. Comprou algumas ferramentas básicas para a modelagem e começou a tentar. No começo foi muito, muito difícil fazer cada mínima coisa.
Que ódio!
Paula, sentia ainda mais raiva dos vídeos do tipo "É bolo?" agora. Mas não desistiu. Tomada por uma fúria obstinada, usou todo seu tempo livre para aprender a fazer os malditos bolos. E foi melhorando com o passar das raivas.
Enquanto batia claras em neve, numa terça-feira a noite, viu a estranha notícia de uma confeiteira assassinada. Era uma especialista em bolos ultra-realistas, que foi morta a facadas e teve uma das mãos decepadas. Um horror…
Chatininho é a cobertura mais gostosa, pensou em voz alta lambendo a borda da tigela. Seguiu seus dias normalmente, sem se apavorar com a notícia, mesmo ela se repetindo periodicamente nas semanas e meses seguintes.
Um Serial "Caker", onde já se viu.
Ela continou treinando para fazer bolos que parecessem todo tipo de objeto. Depois do dia das bruxas, Paula desenvolveu uma predileção por bolos de terror. Olhos, miolos, dedos, muito Red Velvet e geleia de morango para todo lado.
Começou a compartilhar fotos de seus bolos com os amigos e fazer eles passarem raiva, assim como ela passava com os bolos antes. Resolveu então fazer uma conta no Instagram e mostrar para mais gente o seu novo talento. Suas fotos fizeram sucesso e ela fazia muita gente passar raiva também. Paula estava se vingando do mundo!
Até que num dia um pequeno defeito no bolo causou um grande problema. Uma pequena tatuagem em forma de infinito, com números dentro das voltinhas no dedo anelar do "bolo" a denunciou.
Polícia, jornais, amigos e vizinhos perplexos. Paula nunca aprendeu a fazer bolos, mas aprendeu a fazer excelentes cortes de carne humana, a não deixar pistas nas cenas dos crimes e fazer ótimas fotos para a rede social.
Enquanto era levada para a delegacia, pensou que devia ter aprendido a mexer melhor no Photoshop, ou talvez se dedicado mais a maquiagem, para ter escondido a maldita tatuagem.
Paula odiava as horas vagas. Mal podia pensar em como seria ficar a toa olhando para o teto de uma cela. Talvez conseguisse uma vaga para trabalhar na cozinha do presídio e aprendesse a fazer bolos dessa vez.




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