O monge de apartamento
- Juliana GUZZO

- 10 de ago. de 2022
- 2 min de leitura
Do décimo quinto andar até a entrada do prédio, essa é a peregrinação diária que o Monge do 1508 faz todos os dias, às vezes mais de uma vez por dia, da portaria, onde busca seus pedidos com entrega a domicílio, até seu lar.
Ele não sobe pelas escadas, embora se preocupe muito com o aquecimento global e o gasto de energia desnecessária com os pequenos luxos individuais. Mas isso ele deixa só para as redes sociais.
Antes, ele não precisava ter essa preocupação, porque os entregadores podiam subir até o seu andar e ele só tinha que sair do sofá e abrir a porta. Aí veio a pandemia e depois ficou uma preocupação com a segurança, blá-blá-blá (pensava a mente do monge).
Agora ele tem que descer, uma vez que o porteiro não pode fazer a entrega de todo mundo e o prédio não tem um funcionário pra isso. Era bom que tivesse, pensava o Monge.
O Monge vivia recluso fazia tempo, não foi a Pandemia que o encarceirou em seu apartamento. Pra falar a verdade, esse acontecimento fez brotar um sentimento dúbio no Monge. Uma felicidade pela legitimação do seu estilo de vida, mas também o que ele chama de "rancinho", coisa que ele sente toda vez que algo que ele gosta ou faz se torna popular.
Dedicado à sua própria vida e, nos últimos tempos, a um gato e um sem fim de plantas de supermercado, todos adquiridos após adoção e compra online mesmo, raramente o Monge sai de seu apartamento.
Embora tenha preocupação com a própria saúde física, prefere fazer exercícios em sua sala. Contratou um aplicativo de treino e pediu uns aparelhos na Amazon. Pronto, não precisava mais sair pra ir à academia!
Quando sai, por extrema necessidade ou tomado por um espírito explorador, o Monge observa a sociedade com desdém. Ele diz que é pânico, fobia, ansiedade e mais um monte de diagnósticos que ele mesmo fez consultando o Google.
O Monge até começou a fazer terapia há um tempo, mas não continuou. O psicólogo queria o convencer que seu estilo de vida era um problema. Um absurdo! Pior, ainda o criticou, apontando vários defeitos tóxicos que ele não tem, apenas as pessoas que ele é obrigado a lidar que são assim.
Pobre Monge, é muito difícil ser compreendido. As pessoas são demasiadamente tóxicas hoje em dia. O que o salva é um grupo de amigos fiéis, o Comunista Militante de Facebook (sustentado pelo pai operário e pela mãe cozinheira), a Blogueira Feminista de Instagram (que cita Simone de Beauvoir, enquanto deixa a própria roupa íntima no chão do banheiro para a mãe lavar) e o Ambientalista do YouTube (que grava vídeos criticando celebridades que andam de jatinho particular e pessoas que demoram no banho, enquanto ele consome incessantemente produtos de empresas que destroem o meio ambiente).
É difícil ter consciência nesse país, mas o Monge segue firme no seu isolamento. Valendo-se de toda uma rede social feita de pessoas que plantam, colhem, produzem e entregam tudo na portaria do prédio, onde o Monge faz o árduo sacrifício de descer e subir 15 andares (de elevador, claro) para ir buscar.

É muito difícil ser um Monge de apartamento, mas é virtuoso. Temos que reconhecer.




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